terça-feira, 15 de novembro de 2011

Reportagem do “Estadão” sobre a formatura da primeira turma de Medicina da UERJ com alunos cotistas

Primeira universidade pública a formar turma com cotistas mantém qualidade de ensino e índice de aprovação, mas revela mudança sutil causada pela diversidade

Conquista. Formandos da turma de Medicina de 2010 da Uerj, a primeira com alunos cotistas
Os defensores falam em justiça social. Os críticos invocam a meritocracia. No acalorado debate sobre a política de cotas sociais e raciais nas universidades públicas sobram argumentos por todos os lados. Dois pontos permeiam inevitavelmente a discussão: a capacidade dos cotistas em acompanhar o ritmo das aulas e a possibilidade de queda na qualidade do ensino das universidades.
Estado fez um levantamento no curso mais disputado (Medicina) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a primeira a adotar as cotas no País. No vestibular de 2004, foram aprovados 94 jovens (43 cotistas). Apenas oito alunos – quatro cotistas – não se formaram em dezembro do ano passado, como previsto.
Estado localizou 90% dos jovens que chegaram à festança black-tie de formatura: 35 eram cotistas; 44, não. O caminho natural, após seis anos de faculdade, é fazer residência, o estágio de dois ou três anos em que os médicos se especializam em hospitais universitários ou da rede pública. O desafio é grande. As provas são mais disputadas que o vestibular. Nelas não há sistema de cotas. Passa quem sabe mais. É a meritocracia em estado puro.
Fazer residência garante não só mais conhecimento da medicina como salários melhores no futuro. Dos 35 cotistas localizados, 25 passaram nas provas. Os outros 9 cotistas nem tentaram entrar para residência. Ou porque não sabiam que especialidade escolher ou porque tinham pressa em trabalhar em plantões e ganhar muito mais que os R$ 2,2 mil da bolsa residência. Médicos recém-formados, mesmo sem especialização e prática, chegam a ganhar R$ 12 mil por mês, um valor inimaginável para a família de qualquer cotista. Entre os 44 não cotistas, 37 estão na residência.
Na maioria dos casos, a forma de entrada na universidade não influencia na escolha da especialidade. Não há, entre os cotistas, uma opção majoritária pela medicina de família, por exemplo, que atende prioritariamente à população carente e é mais fácil de passar. Tampouco há entre os não cotistas uma preferência por especialidades que paguem mais e sejam mais difíceis de entrar. É o caso de dermatologia, garantia de bons salários e zero de estresse com emergências. Nessa turma, duas alunas passaram, uma delas cotista.
“Cotistas ou não cotistas, todos têm uma tendência de procurar especialidades que compensem mais financeiramente”, diz o cardiologista Plínio José da Rocha, diretor da faculdade de Medicina. “A gente escolhe a especialidade pelo que gosta de fazer. Não é só uma questão financeira”, rebate o paulistano Thiago Peixoto, de 28 anos, cotista e residente de clínica médica na Uerj. Prova disso é que pediatria, que anda em queda entre os jovens médicos, é a especialidade com o maior número de residentes da turma – são 11, sendo 6 cotistas.
A presença dos cotistas na universidade provocou debates acalorados entre os professores, mas o diretor afirma que o curso continua o mesmo. “No início houve receio, mas cobramos igual de todos.” Difícil é avaliar se o nível das aulas foi alterado. “Eu não vejo diferença. Mas há todo tipo de opinião entre os professores”, diz Rocha.
Não há como negar que a mudança no tipo de aluno mexeu com os professores. Antes de 2002, quando começou a política de cotas, passavam para a Medicina da Uerj apenas a nata da elite que frequenta os melhores colégios. Agora, 45% dos alunos são da rede pública de ensino. A diferença na relação candidato/vaga é cruel.
Entre os cotistas, é de 5,33. Entre os não cotistas, de 55,80. A discrepância influencia na nota mínima para entrar na universidade. Um cotista garante a vaga se fizer 41,50 pontos. O não cotista tem de chegar a 75,75.
A discussão sobre a queda na qualidade do ensino com a entrada de alunos que não acertam nem 50% das questões do vestibular chegou ao Conselho Universitário da Uerj. A questão é emblemática. “Somos uma grande universidade porque recebemos os melhores alunos ou uma grande universidade é aquela que pega qualquer tipo de aluno e o transforma num bom médico?”, diz Rocha.
Desempenho. Ainda este ano, a Uerj terá uma pista mais conclusiva sobre a questão. A turma de 2010 fez o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) em novembro. É a primeira com cotistas que passa pela prova do Ministério da Educação (MEC) que avalia os cursos de nível superior. No último, em 2007, a Uerj foi a única do Rio a tirar 5, a nota máxima. A prestigiada UFRJ ficou com 4. Seja qual for o resultado, a Uerj mantém sua filosofia. “O espírito desta escola é a formação de bons médicos. Porque até nós temos medo de quem vai nos atender num hospital”, diz o diretor.
08 de maio de 2011 | 0h 00
 
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