quarta-feira, 10 de outubro de 2012

AUTÔNOMOS OU ADESTRADOS? – o fenômeno de gado ( crônica do Prof. Cláudio Silva )


*Por Cláudio Silva

Lembra daquele refrão “Êh, ô, ô vida de gado, povo marcado, povo feliz”, cantado por Zé Ramalho em “Admirável gado novo”, falando aos “que fazem parte dessa massa”?

Tente descrever rapidamente três características que você considera num indivíduo autônomo na sua forma de pensar e de agir. Agora faça o mesmo em relação a  outro que considera um adestrado. E você? Quer que seus filhos sejam no futuro, adultos autônomos ou adestrados? Segundo o educador Paulo Freire, parte da resposta vai depender de como você e a escola conduzem o  seu processo educacional. A provocação de Freire, obviamente, não tem um caráter determinista ou visão maniqueísta. Mas é possível depreender de suas considerações que, dependendo de como for conduzida a educação familiar ou escolar, poderemos estar contribuindo para a formação de indivíduos com uma dessas duas características. O mesmo princípio pode ser aplicado também aos grupamentos humanos, desde colaboradores de uma empresa, equipes esportivas ao conjunto de uma população. O papel daqueles que estão à frente conduzindo o processo, sejam eles pais, educadores, chefias e outras funções de liderança ou gestão, é preponderante, para não dizer determinante. 

O filme “Forrest Gamp” tem como personagem central um sujeito, interpretado por  Tom Hanks, que resolve correr sem destino. Alguém por impulso o imita, e aos poucos, outros curiosos vão se somando. E quando se vê, uma pequena multidão está atravessando  os Estados Unidos correndo, a maioria sem nem mesmo saber por quê. Simplesmente seguindo o instinto de bando. O psicólogo e pedagogo Jean Piaget, uma das referências na educação moderna, denomina de socionomia uma das etapas do desenvolvimento da consciência moral. Nesta, a nomos (norma, lei) é aquilo que for determinado pelo grupo, pelos outros ou pelo contexto social. É o caso do sujeito que  sempre age no sentido de se amoldar à maioria, para não destoar e evitar ser considerado diferente. Porque o seu princípio é buscar a aprovação ou evitar a censura dos outros, numa preocupação permanente e  por  vezes excessiva com que vão pensar dele. É o estágio anterior à autonomia  (do grego: autós=próprio e nomos=lei - lei própria), que  Piaget considera o nível ideal do  desenvolvimento humano, a etapa mais elevada do comportamento moral. Na autonomia  o  sujeito consegue orientar-se de  acordo  com valores elevados, como a  ética e a  fé por exemplo, e dirigir-se por seus próprios princípios internos de conduta. Assim, desenvolve uma percepção  pessoal, conseguindo olhar para  o  outro  lado, quando  a  maioria  está fixada  num único ponto,  e perceber aspectos que  passam despercebidos para a maioria.
 
Nelson Rodrigues criticando a postura padronizada e às vezes comodista, observada na socionomia, alertava com a famosa expressão “toda unanimidade é burra”. Ou no mínimo perigosa, completamos. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar, submete-se a que pensem por ele, daí o perigo. Porque por vezes certos posicionamentos coletivos podem ser consequência de manipulação, resultando numa consciência coletiva adestrada, de pessoas condicionadas a pensar e decidir irrefletidamente. Posicionar-se com a maioria é  mais  confortável, porque  não compromete. Em certas  situações pode ser  uma atitude de fuga de  responsabilidades, pois  serve como  uma  proteção cômoda  para  justificar  meus  atos, mesmo  que errados. É o fazer sem senso crítico, simplesmente porque todos estão fazendo. Talvez o caso mais emblemático tenha sido o julgamento mais famoso da história, que  teve de um lado um bandido e assassino, e de outro um homem inocente. Ao público presente caberia o veredito, como permitia o costume naquela circunstância. Respeitando as confessionalidades, servimo-nos do texto sagrado para iluminar a reflexão. O  juiz indaga: “quem vocês querem que eu solte, Jesus ou Barrabás?”  A resposta é conhecida por  todos. Mas a expressão "Que o seu sangue caia sobre nós e sobre os nossos filhos” (Mt 27,25), expressa o  fenômeno de gado, porque no inconsciente coletivo já estava cristalizada a decisão cega, induzida pelos chefes dos sacerdotes ( Mt, 27,20). Em outras  palavras, não nos importa se  é  inocente ou  não, já decidimos, queremos o seu sangue.

 Ir irrefletidamente com a maioria, pode também não ser  atitude inteligente. Veja  quantas  pessoas  leem determinado livro ou compram produtos apenas porque estão  nas  listas dos  mais  vendidos. Mas  será que a  qualidade corresponde? Quanta literatura  “água  com açúcar” é despejada  goela  abaixo, induzida por um marketing agressivo! Caetano  Veloso é um artista que a  mim sempre pareceu estar  à  frente   do  seu  tempo. Protagonizou um fato inusitado,  quando num trabalho  de  pesquisa encontrou uma  canção que decidiu regravar. Uma  música que no passado  havia  sido  malhada  pela  crítica  como algo sem valor, execrada pela maioria dita culta. Mas ele, exercendo princípios de autonomia, consegue enxergar qualidades estéticas que o compositor havia empregado, que revelavam uma sensibilidade apurada para descrever  o  sentimento  de  alguém privado do  convívio com a  pessoa  amada. E  quando, com o  seu  talento admirável a interpreta,  utilizando simplesmente  voz e  violão, revela uma verdadeira pérola. Quer  conferir? Ouça Caetano interpretando “Você  não  me  ensinou a  te  esquecer”, de  Fernando  Mendes, lançada originalmente em 1978, e  que recentemente foi tema  do  filme  “Lisbela e  o  Prisioneiro”.

Um outro alerta pode ser encontrado na  primeira cena do filme  “Tempos  Modernos”. Charles  Chaplin com a  sua genialidade, e sem inserir uma  única  palavra, em duas sequências de  poucos segundos, chama a atenção para o  perigo do desenvolvimento de comportamentos de gado na sociedade industrial emergente, caracterizada pela  padronização e ações em série. A primeira  cena mostra  um bando  de  ovelhas correndo  umas  atrás  das  outras. Ato  contínuo, quase  que repete  a  mesma  cena, só que  com pessoas andando apressadas na cidade movimentada, gado humano. 

 Émile Durkheim (1912), considerado  um dos  pais  da  sociologia moderna, estudou os  processos  interpessoais que  produzem o que ele definiu como consciência  coletiva. Esta, descobriu, nasce das interações  entre  as  pessoas. Portanto, é preciso sempre  se  questionar, e orientar os nossos filhos e  educandos, se em determinadas situações estamos agindo  como indivíduos conscientes e autônomos, ou  simplesmente como gado adestrado, que segue  a  manada. O que pode ser perigoso, pois os resultados poderão ser desastrosos no médio e longo prazos. O alerta  de Paulo  Freire é muito atual!

"Quando todos pensam igual, é porque ninguém está pensando!" ( Walt Lippman )

Pense nisso!

(Se achou esta crônica interessante, poste o seu comentário abaixo ou envie por  email. Sua referência é importante para nós. As mais acessadas irão integrar o  próximo  livro. No box de postagem a  opção mais utilizada tem sido o Google. Grato. OS EDITORES)


*Cláudio Silva é mestre em Educação, Secretário Especial de Ensino Superior de Apucarana (Pr) e ex- presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação-UNDIME/PR.          
                                                                                                            
Ficha Técnica:
Estrutura: Cláudia Alenkire Gonçalves da Silva (acadêmica de jornalismo)
Revisão: Prof.ª Doutoranda Leila Cleuri Pryjma

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8 comentários:

Prof. Cláudio Silva disse...

De: Débora Rodrigues Pinto da Silva

Professor Cláudio:

Muito pertinente o assunto atual do seu blog. Sempre o acompanho, mas veio a calhar na escrita do meu (outro...) TCC de Especialização em Docência que faço em Porto alegre. Queria falar exatamente sobre isto, estava hoje mesmo escrevendo, vou citá-lo.

O-BRI-GA-DA!

Um abraço,

Débora.
(do MBA Auditores e Peritos Ambientais-TEAR)

Prof. Cláudio Silva disse...

Oi Débora, fico gratificado ao saber que nossas reflexões estão contribuindo com os amigos. Desejo todo o sucesso à você. Um abraço e lembranças aos nossos amigos da pós

Unknown disse...

cumprimentos

BlogDaThay disse...

Adorei esse artigo, por falar do Caetano, do Charles Chaplin.
Que precisaram deixar seus países para serem reconhecidos por suas artes.Não é fácil ser autônomo.

E mais,por falar de Jesus e suas perseguições...que provam como é difícil ser autônomo.

Fiquei mais feliz por ver a ficha técnica.
Parabéns!!
Deixo minha pequena expressão aqui!
Abraços!

Prof. Cláudio Silva disse...

Oi Thay,

Grato pela honra de sua visita. Autonomia, o grande desafio. Nascemos para o alto! Somos seres únicos.

Um grande abraço

Prof. Cláudio Silva disse...

Nossos agradecimentos pela referência.

Abç

Valdirene Federizzi disse...

Olá prof. Cláudio, gostei muito da sua crônica, interessante e nos faz pensar nos dias de hoje e como podemos agir de forma diferente, buscar o novo e nos adaptar a novos desafios. Parabéns!

Prof. Cláudio Silva disse...

Oi Valdirene. Realmente essa é a proposta, ações mais conscientes. Muito obrigado pela sua apreciação, o que muito nos honra.
Um grande abraço