domingo, 22 de junho de 2014

De Mark Twain a Joaquim Barbosa – sobre príncipes e mendigos ( Crônica do Prof. Cláudio Silva)

17.07.2013
                                                                                                                 *Por Cláudio Silva
É uma aventura curiosa rever agora na maturidade leituras da adolescência e juventude. Eu havia recém-concluído Guerra e Paz, de Tolstoi, uma empreitada de fôlego,  que durou mais de um ano para dar cabo dos quatro grossos volumes que compõem a obra. Valeu a pena, porque faz jus ao prefácio de Ivan Pinheiro Machado, que a inclui entre as grandes obras produzidas pelo ser humano, como “Guernica”, de Pablo Picasso, “David”, de Michelangelo, “A Flauta Mágica”,  de Mozart e “Monalisa”,  de Leonardo da Vinci.

Na sequência,  ao procurar por  algo mais leve,   optei pela  releitura  do romance “O Príncipe e o Mendigo”, de Mark Twain. Que impressões essa leitura provocaria em mim nessa etapa da vida? Faria aflorar novas percepções não alcançadas naquela época? A escritora Léa Masina afirma que Twain, utilizando uma linguagem apropriada a aventuras infanto-juvenis, “soube mostrar o interior de cada um, e a hipocrisia que veste a sociedade.”

Alguns aspectos emergem logo no início da trama. Apesar das diferenças aparentes, os seres humanos se igualam na sua essência. Isso é evidenciado na escolha dos protagonistas centrais: duas crianças de fisionomias muito parecidas, mas de condições sociais opostas. Uma nascida na opulência da realeza e a outra na extrema pobreza. Mas fica evidente o peso que Twain dá à educação na formação do indivíduo, deixando claro que, independentemente da condição social, a educação e a cultura provocam transformações substanciais nas pessoas.

Tom, apesar de mendigo,  tem algum preparo intelectual, que lhe  permite a façanha de passar-se por Edward, o príncipe de Gales. Assim como outras crianças do seu cortiço, teve a felicidade de ser educado por um bondoso sacerdote, com quem aprendeu a ler e escrever, boas maneiras e latim, além de poder dispor com frequência dos livros do padre que, diante de sua curiosidade, explicava-lhe e comentava o conteúdo. Tais atitudes do sacerdote despertaram em Tom a sede permanente de aprender cada vez mais. E as leituras, à medida que provocavam mudanças em seu ser e faziam crescer a sua consciência sobre as injustiças sociais, também aumentavam a influência que passara a exercer no seu meio. As pessoas nutriam por ele “uma espécie de temor admirado, como um ser superior”, sublinha o autor. Complementando, “Adultos traziam suas perplexidades para que ele as resolvesse e ficavam espantados com a inteligência e sabedoria de suas decisões.”

No caso de Edward, o príncipe, a sua condição real já lhe assegurava uma vida de regalias, além de receber um cuidadoso preparo cultural para no futuro ocupar o trono. No entanto, ressentia-se da solidão imposta pela sua condição, nutria uma curiosidade por experimentar a liberdade e, principalmente,  os folguedos com que se divertiam espontaneamente as crianças do seu reino, até as mais pobres dentre elas. Ele, no entanto, tinha todos os privilégios, mas era uma criança só. (solitária)

A narrativa também realça a hipocrisia de uma sociedade de valorização de aparências, posses, títulos e cargos. Os dois meninos, ao inverterem, por brincadeira, os seus papéis sociais, simbolicamente representados pela troca das respectivas vestimentas, passam a receber tratamentos distintos das pessoas que os confundem. O príncipe, em sua nova condição de mendigo, toma consciência,  experimentando na própria pele a indiferença, a truculência e as injustiças praticadas pelos poderosos do seu reino contra os pobres. E o mendigo, por sua vez, passa a experimentar como príncipe de um mundo de superficialidade, marcado por privilégios e bajulações, além dos intrincados jogos de poder, interesses e deslizes éticos de pessoas inescrupulosas que se locupletavam nos bastidores da realeza. Mas fica evidente que o seu preparo cultural, embora incompleto, facilita a sua adaptação, habilitando-o a lidar com as dificuldades e desafios que encontrou na nova condição.

A obra de Twain nos permite a reflexão de que se for dada às crianças igualdade de oportunidades educacionais e sociais consistentes, todas poderão conquistar dignidade e alçar voos a patamares inimagináveis. Está aí a história do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Joaquim Barbosa, para comprová-lo. E, possivelmente, assim como a minha, também a sua história pessoal,  caro leitor, seja a de um desses casos cujo destino a educação redirecionou.

Foi uma agradável releitura de um romance aparentemente inocente, mas que nos faz fixar os olhos sobre as contradições sociais que vivenciamos no dia a dia. E reforça a consciência de que a sociedade deve assegurar igualdade de oportunidades a todos, indistintamente, pois todos e,  em especial,  as crianças, são merecedores da mesma dignidade e respeito devotados aos príncipes, apenas e tão somente porque são seres humanos.

Pense nisso!
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*Cláudio Silva é mestre em Educação, ex- presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação-UNDIME/PR, foi Secretário de Educação de Apucarana-PR (gestões  2005-2008 e  2009-2012 ) e  Secretário  de  Ensino  Superior ( 2012)
Mais textos do professor poderão ser acessados em http://profclaudiosilva.blogspot.com.br/

Esta publicação contou a assessoria técnica da jornalista Cláudia Alenkire G. Silva (filha), e com a participação da Especialista em Literatura e Língua Portuguesa Professora Ana Britici Valério.

Referências:
MASINA, Léa. Guia de leitura: 100 autores que você precisa ler. Porto Alegre: L&PM, 2010.
TWAIN, Mark. O príncipe e o mendigo. Porto Alegre: L&PM, 2012.

TOLSTÓI, Leon. Guerra e Paz. Porto Alegre: L&PM, 2010.

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